Nunca te esquecerei, mesmo que um dia a senilidade me obrigue a tal.

Estamos em pleno inverno, faz um frio insuportável lá fora. O alpendre está coberto de neve, e a tua cadeira de baloiço continua no mesmo sítio, vazia, mas tão cheia de memórias. 
A falta que me fazes. 


Querida Maria,

Esta é apenas mais uma das muitas cartas que te escrevo diariamente a contar como foi o meu dia. 
Hoje foi um dia de imensas tarefas. Limpei a casa, fui ao supermercado, cortei o cabelo e passei o resto do dia a resolver as palavras cruzadas do jornal. Uma das perguntas era qual a palavra que designava o sentimento de quando se perdia alguém. Saudade, vazio, dor, solidão. Não me consegui decidir de qual se adequaria melhor.
Desculpa, meu amor, por ser tão repetitivo, mas a dor da tua ausência é tão avassaladora. O que outrora era "mais um dia" agora é "menos um dia", menos um dia na contagem decrescente para me voltar a reencontrar contigo. 
Nunca entendi porque as pessoas perdem o gosto pela vida sabes? A minha vida a teu lado era tão perfeita que só consegui entender quem não tinha gosto em viver no dia em que fiquei sem ti. Eras o meu propósito de vida, e agora, agora estou sozinho na nossa casa, aterrorizado com o silêncio que ficou em teu lugar. É tão difícil ter tanto espaço vazio na cama, olhar para o lado e a tua almofada encontrar-se intacta. Não ouvir mais a tua voz, não sentir mais o conforto do teu abraço, necessitar de recorrer a fotografias para voltar a ver o teu sorriso. Sabes que com a idade a memória prega-me partidas, e às vezes não consigo visualizar-te nitidamente na minha memória, e tenho medo, meu amor, tenho tanto medo de te esquecer. 
Os nossos filhos querem levar-me para um asilo. Eu sei que eles se preocupam que me sinta solitário, e não têm tempo para cuidar de mim como tu fazias. Mas como poderia eu abandonar o único sítio onde ainda tenho tanto de ti? 
Eles não entendem. Dizem que sou egoísta por desejar tanto ir ao teu encontro. E eu sei, eu sei que devo viver por eles, era o que tu, minha querida, irias querer. Mas torna-se cada vez mais difícil fazê-lo sem ti. 
Bem, agora tenho de terminar o jantar, para mim e o nosso pantufas. Aquele cão está cada vez mais parecido comigo, velho e cheio de saudades tuas. 
Amanhã irei escrever-te novamente, enquanto observo a tua cadeira baloiçar. Nunca te esquecerei, mesmo que um dia a senilidade me obrigue a tal. 

Com amor, o teu eterno Duarte.

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