A culpa não foi dele por não me conseguir resistir, foi minha porque o provoquei. Lamento.

Queridos pais,

Se estão a ler esta carta, então saberão para onde foram todos os comprimidos que desapareceram da mala da mãe.

Passaram cinco anos e eu sinto cada vez mais nojo de mim mesma.
Não consigo adormecer sem que aquele homem apareça nos meus pesadelos. Por mais que tente, não consigo deixar de sentir o cheiro dele, o respirar no meu pescoço, o toque por todo o meu corpo.
Fecho os olhos e sinto as suas mãos a apertarem-me o pescoço. E eu choro, grito por ajuda, e ele sorri. Quanto mais grito, maior é o prazer para ele. Consigo vê-lo no seu olhar.

As suas mãos continuam em volta do meu pescoço, sinto cada um dos seus dedos nas minhas veias, apertando cada vez com mais força. Sinto-me a sufocar. Por momentos penso que vou morrer, e agrada-me tanto a ideia só para deixar de sentir o suor dele cair sobre a minha pele.
Quanto mais tento sair debaixo dele, mais ele me agarra. E eu desisto.
Perdoem-me, pai, mãe, perdoem-me por eu ter desistido, mas as forças começaram a desaparecer e eu rendi-me a ele. Parei de tentar resistir.

Neste momento só as lágrimas correm pelo meu rosto. Um enorme silêncio ficou no quarto. Apenas se ouvem os gemidos dele, gemidos de prazer por estar a usar e abusar de mim, tal como ele queria. Deviam ver a forma como ele me olha, como sorri por ver o meu sofrimento.
Tento encontrar um refúgio na minha mente. Lembram-se daquela viagem que fizemos os três a Paris? Foi a melhor semana da minha vida. Recordo os bons momentos que lá passamos. Durante uns minutos consigo esquecer que, enquanto penso nisso, enquanto me lembro de como era bom quando era inocente e feliz, está um animal em cima de mim.
Perdoem-me a linguagem mas não sabia o que lhe chamar.

O telefone toca e ele atende. Tapa-me a boca para que eu não possa gritar. É a mulher dele a dizer que está atrasada e precisa que ele vá buscar a filha à escola. Ele tem uma filha sabem? Claro que sabem.
Desliga o telefone, e enquanto veste a roupa, olha-me com um maldito sorriso perguntando-me se eu gostei.
A culpa é toda minha, sabem? Vocês tinham toda a razão quando me diziam para não sair de casa de mini saia. Todas as minhas amigas usavam, eu só queria ser como elas, mas não o devia ter feito, hoje sei disso.

Desde o momento em que saí daquela casa até hoje continuei sempre a gritar, mas em silêncio. Porque vocês não me ouviram, ninguém ouviu.
Pai, mãe, porquê? Porque não me ouviram? Porque não me deixaram ficar em casa quando vos implorava? Porque me obrigavam a ir a casa dele? Vocês deviam ser as pessoas que melhor me conheciam, porque não estranharam que alguma coisa se passava? Porque me obrigaram a provoca-lo durante cinco anos? Porquê?
Mas eu sei, eu sei que a culpa é minha. Porque mesmo de calças, mesmo com apenas os olhos à mostra, eu continuava a provoca-lo.

Então aceitei. Aceitei que teria de ser castigada por ter aliciado um homem honesto, casado, e com uma filha da minha idade, por o ter obrigado a fazer-me coisas que os adultos fazem, palavras dele. Aceitei que eu era a vagabunda, eu era a desgraça dele. E ninguém poderia saber disso, porque ninguém ia acreditar em mim, e da próxima vez seria pior. Afinal, quem leva uma miúda da minha idade a sério?

Aceitei o meu destino. Mas hoje, mais uma vez, fui fraca, não honrei o meu nome, porque fui tudo menos valente. Hoje, depois de ficar duas horas amarrada na cama, coberta de sangue, decidi desistir de tudo.

Perdoem-me por não conseguir continuar a ser castigada.
Eu sei que a culpa não foi dele por não me conseguir resistir, foi minha, porque o provoquei. A culpa foi minha por, com dez anos de idade, seduzir uma pessoa como ele. Por isso decidi não continuar a desvia-lo do seu bom caminho.

Amanhã, no dia em que todos se irão despedir de mim, ele estará lá, na primeira fila, abraçado a ti, mãe, consolando-te, tal como sempre fez. Porque é isso que os irmãos fazem.
Serás consolada pela pessoa que destruiu a minha vida. Desculpa, de quem eu destruí a vida.
Maldita a hora em que eu peguei naquela mini saia.

Desculpem.


Com amor, Valentina

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