Sim, aceito.

Faz-se silêncio.

"Aceitas?"
"Aceito."


Abro os meus olhos fatigados em pleno verão.
O meu corpo repousa sobre a relva molhada enquanto busco por ti nas feições das nuvens.
A minha mente é atraiçoada pelas minhas melhores memórias de ti, de nós.
Num momento menos lúcido, ouço a tua voz chamar por mim, e caminho ao teu encontro.
Mas tu não estás.

O quarto está vazio, as paredes despidas e a minha alma ferida.
Envolta pela bruma da tua partida, abro todas as janelas e fico petrificada na nossa varanda.
A dor da tua ausência é devastadora, mas desta vez não me permito ceder ao choro ininterruptível que me acompanhou nos últimos meses.

Fecho os olhos.
A brisa contorna o meu rosto, e eu permito-me envolver pelo silêncio da tua ausência, relembrando do nosso último jantar.
Ainda sinto o nervosismo, a ansiedade.
Usaste a tua melhor camisa, o teu melhor perfume.
Bebemos um copo de vinho, e eu só pensava na minha resposta: sim, um claro sim.

Mas aquele jantar não foi um pedido de casamento.
Foi a tua forma mais cruel de te despedires de mim. 
Fizeste-me apaixonar por ti, mais uma vez, e no fim dirigiste-te até à porta, sem justificações, sem dramas, apenas uma mala feita, e um copo de vinho na mão. 

Não houve uma única palavra.
Um último beijo. 
Seguiste em frente, firme da tua decisão, deixando para trás um rasto de perguntas sem resposta.
E de respostas sem perguntas. 

Ainda que não tenhas perguntado, eu aceito.

Aceito que te foste embora.
Ou que nunca tenhas planeado ficar.
Aceito que o nosso amor para ti terminou.
Aceito, e perdoo-te.
Bem, amanhã talvez te perdoe. 
Hoje apenas consigo aceitar.

Comentários

  1. Somos as pessoas que nos conhecemos até a este exato momento. O quê que nos define em relação ao tempo e ao espaço? Por enquanto estou sentado na minha secretária na presença de um estado patologicamente animado, e assim, aproveito para transformar o meu pensamento em algo palpável.

    Numa circunstância de relações amorosas muitas vezes temos a certeza de que encontramos a pessoa perfeita, por vezes pode ser uma ilusão, do nada estamos a rastejar no fundo do poço, já sem unhas nas mãos a insistir toda a profundidade. Sou, vivamente, crente na visão de que tanto as experiências do nosso agrado como as que nos destrói são independentes do senso comum de termos encontrado a pessoa ideal, ou não - a pessoa é ideal numa espectativa positiva de que a conhecemos; Ou nada digna de pessoa ideal porque nos destruiu.

    Quem se destrói, vive com medo de voltar ao mesmo. O que nos fica é aceitar, receber e transformar o tempo que aguentou tremenda angústia, tristeza e recuperação e aprender com esse acontecimento, minimamente, apocalíptico.

    Não quer dizer que não existem pessoas ideais, até pelo contrário… neste cápsula onde vivemos podemos contar com milhões de pessoa ideais para um único individuo. Problema é não nos termos cruzado com elas no sítio e hora certa.

    Esta é uma perspetiva de alguém que não vê a palavra destino como uma superpalavra, de que tudo está traçado e que tudo acontece religiosamente. Não passa de uma simples palavra dentro do nosso alcance. Imaginemos que queremos ir a determinado sítio e pelo caminho acontece um acidente… Abrimos os olhos! Estamos numa cama de hospital. – ou não. O meu destino continua a ser aquele que eu tinha escolhido inicialmente; e se tivesse morrido? Apenas não cheguei ao meu destino.
    E nunca chegarei.

    Lidar com otimismo numa situação emocional entre dois sujeitos não passa de imaginarmos uma linha temporal e dentro do exemplo de que esses dois vivem um para o outro – estavam em sintonia temporal, num local que era benéfico para ambos. Caso a viagem no tempo fosse possível imaginássemos que estávamos com a versão da pessoa com mais ou menos idade… poderia não funcionar bem.
    Ou funcionava ou o espaço não permitia?

    Nick Cave & The Bad Seeds - Into My Arms: https://www.youtube.com/watch?v=LnHoqHscTKE

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